domingo, 24 de maio de 2009
As mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Belchior Marques Goulart estão sendo investigadas pela Câmara Federal desde maio
INTRODUÇÃO
As mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Belchior Marques Goulart estão sendo investigadas pela Câmara Federal desde maio último. Os dois ex-presidentes morreram em 1976, em circunstâncias que seguem deixando rastros de dúvidas e mistérios. Nenhum dos corpos foi necropsiado antes do sepultamento.
Recentemente, João Vicente Goulart, filho de Jango, autorizou a exumação do cadáver do pai, supervisionada por uma comissão do Congresso. Ao mesmo tempo o deputado Paulo Octávio, casado com a neta de JK, presidirá outra comissão, destinada a investigar o acidente automobilístico que matou o Juscelino na via Dutra. Suspeita-se em envenenamento e acidente provocado nos respectivos casos.
OPERAÇÃO CONDOR
Estas recentes investigações ocorrem na esteira da "Operação Condor", uma aliança político-militar criada para reprimir a resistência aos regimes ditatoriais instalados nos seis países do Cone Sul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia).
Foi somente com a intervenção de um magistrado argentino, que o governo brasileiro, 15 anos depois da redemocratização, determinou a abertura dos arquivos da ditadura militar (1964-1985). Na Argentina, o juiz Cláudio Bonadío solicitou oficialmente à Justiça Brasileira informações sobre a Operação Condor. Bonadío averigua o destino de 16 cidadãos argentinos (três deles teriam sido sequestrados no Brasil por militares argentinos), entre 1976 e 1982.
No Brasil, Gilmar Mendes, advogado-geral da União, foi o autor do pedido do Planalto que determinou que as Forças Armadas abrissem os arquivos da repressão no período da ditadura militar. Aguarda-se uma resposta até o final de junho, sendo que o julgamento analisará os documentos antes de enviá-los ao Supremo Tribunal Federal, que encaminhará os papéis à Justiça argentina
OS ANOS 70
O início dos anos 70 são considerados os "anos de chumbo" para a América Latina, marcados por golpes militares, que inauguraram ditaduras assassinas em quase todo continente, destacando-se Bolívia (agosto de 1971), Chile (setembro de 1973) e Argentina (março de 1976), entre outros.
No Brasil, onde os militares já estavam no poder desde 1964, a ditadura ganhou força com a publicação do Ato Institucional n0 5 em dezembro de 1968. Em outubro de 1975, o jornalista Wladimir Herzog, militante do Partido Comunista Brasileiro, é torturado e assassinado numa cela do DOI-Codi em São Paulo. Destacam-se ainda a morte sob tortura do metalúrgico ligado ao PCB Manuel Fiel Filho, também no DOI-Codi de São Paulo e o fuzilamento de dois dirigentes do PcdoB em 1976.
Nesse mesmo ano, Jimmy Carter elegia-se presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, com uma campanha baseada na luta pelos direitos humanos, o que poderia representar o fim da colaboração dos EUA com as ditaduras militares na América Latina.
Em setembro de 1977 o jornalista norte-americano Jack Anderson divulgou uma carta redigida pelo coronel Manuel Contreras, chefe da polícia secreta do Chile, endereçada ao general João Batista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações, que em 1979 sucedeu o general Ernesto Geisel na Presidência da República. Na carta, datada de 28 de agosto de 1975, Contreras mostra-se preocupado com a recente eleição nos EUA e os defensores dos direitos humanos na América Latina, citando entre eles o ministro do Chile Orlando Letelier e Juscelino Kubitschek : "Também temos conhecimento das posições de Kubitschek e Letelier, o que no futuro poderá influenciar seriamente a estabilidade do cone sul de nosso hemisfério. O plano proposto por você para coordenar a ação contra certas autoridades eclesiásticas e políticos da América Latina, conta com o nosso decisivo apoio".
Coincidência ou não, Juscelino e Letelier morreram pouco depois da data da correspondência. Juscelino morreu num acidente de carro em 22 de agosto de 1976 e Letelier num atentado a bomba em 21 de setembro. Em 6 de dezembro era a vez de João Goulart, que com 58 anos morria de enfarte nem sua fazenda na Argentina.
OÃO GOULART E AS REFORMAS SOCIAIS
Quando Jânio Quadros, que sucedeu JK, renunciou, seu vice João Goulart encontrava-se na China comunista. Embora sua missão fosse oficial, alguns chefes militares começam a acusar o governo de Jango de esquerdista. Essas acusações faziam parte de uma forte resistência vice de Jânio, que já era feita desde a década de 50, quando João Goulart fora Ministro do Trabalho de Getúlio, responsável por uma significativa elevação do salário minimo. O impasse estava criado. Enquanto as camadas populares e setores da classe média mais progressista estavam com Jango, as elites, representando as oligarquias nacionais e o imperialismo norte-americano eram contra. A solução encontrada foi permitir que João Goulart assumisse a presidência, porém, com a adoção do Parlamentarismo. Sendo assim, Jango não governaria de fato, já que nesse sistema, o poder de decisão está nas mãos do chefe de governo, representado pela figura do Primeiro Ministro, Tancredo Neves naquele momento.
A situação começaria e se inverter em dezembro de 1962 quando através de um plebiscito foi restabelecido o Presidencialismo, representando assim, o apoio popular ao presidente João Goulart e aos segmentos políticos aliados. Nesse momento o governo implanta o "Plano Trienal", elaborado pelo conceituado economista Celso Furtado, que pretendeu inutilmente reduzir o índice inflacionário sem afetar o crescimento econômico. A aposição conservadora aumentaria com a aprovação das "Reformas de Base", com destaque para reforma agrária, que partilharia os latifúndios, a reforma eleitoral, que entre outras coisas, daria condição de voto ao analfabeto, a reforma fiscal, que estabeleceria um critério censitário para pagamento de impostos, além da reforma universitária, que ampliaria o número de vagas nas universidades públicas.
Esta aproximação do governo com uma política de reformas estruturais, culminará com famoso comício de 13 de março de 1964 na Estação Central do Brasil no Rio de Janeiro, onde fica mais explícito o apoio dos partidos de esquerda ao presidente. Enquanto isto, a inflação aumentava, agravando as agitações internas e dando pretexto para o fortalecimento dos setores de direita contrários aos avanços sociais e ao caráter "subversivo" do governo Jango. Nesse contexto, representantes das Três Armas, com apoio de considerados setores da burguesia nacional e da Igreja Católica, combatem abertamente o governo e no dia 31 de março de 1964 desencadeia-se o movimento militar que irá depor João Goulart. Em 1o de abril, João Goulart viajou para Porto Alegre, onde se negou a organizar a resistência, evitando assim uma guerra civil. Exilando-se no Uruguai, participou com Juscelino e Carlos Lacerda da organização de uma Frente Ampla pela redemocratização do país. Em 1973, transferiu-se para a Argentina e logo após o golpe militar sobre o governo de Isabel Perón, foi vitimado supostamente por um ataque cardíaco em 6 de dezembro de 1976.
COMPROMISSO COM A VERDADE
Será em breve a exumação dos restos de João Goulart, já autorizada pela família. O mesmo deverá ocorrer com Juscelino Kubitschek. Os militares se dizem comprometidos com as investigações pela busca da verdade, mas na prática ainda resistem.
O passado é história, mas a história nem sempre é verdade. Caso as investigações das mortes de JK e Jango e da Operação Condor prosseguirem com a devida transparência, o governo estará assumindo um importante papel no compromisso com a justiça e com a democracia. Apesar das feridas não cicatrizadas, ficará a contribuição com o restabelecimento da verdade para a história do Brasil e da América Latina.
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