segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Brasil tem como problema e desafio a ser enfrentado o baixo nível de escolaridade média da sua população, além de ela ser desigual e com qualidade r


Sérgio Haddad


O tema do analfabetismo e da educação de jovens e adultos voltou com força aos noticiários desta última semana em função da divulgação pelo IBGE do documento Aspectos Complementares da Educação de Jovens e Adultos, baseado nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD de 2007. Primeiro estudo desta natureza, o documento traz informações relevantes e complementares para se compreender a realidade de milhões de brasileiros que não conseguiram realizar os seus estudos de forma regular.


O Brasil tem como macro problema e grande desafio a ser enfrentado o baixo nível de escolaridade média da sua população, além de ela ser desigual e com qualidade ruim. Em 2007, a escolaridade média era de 7,3 anos, abaixo dos oito anos de escolaridade obrigatória estabelecida como lei desde 1971 (lei nº. 5.692, de 1971) e da meta de implantação gradativa dos nove anos até 2010 (lei nº 11.274, de 2006). Esta média cai para 6.3 anos se a população é preta e parda, seis anos para os que moram no nordeste, cinco anos para os 20% mais pobres e 4.5 anos para a população que vive na zona rural. A desigualdade na escolaridade acompanha as conhecidas desigualdades da sociedade brasileira, ajudando e reproduzi-las.

Vários são os motivos que levam a esta situação, todos já bastante conhecidos: além dos fatores sociais que condicionam a aquisição da escolaridade, o acesso é restrito na educação infantil e há níveis insuficientes de permanência e desempenho no ensino fundamental, unido ao tema das desigualdades e da baixa qualidade do ensino ofertado. Com isto, produzimos uma escolaridade insuficiente para quem permanece no sistema, e excluímos da escola um contingente significativo de pessoas sem completar sua escolaridade.


O Brasil tem uma população de 141, 5 milhões de pessoas com 15 anos ou mais. Destas, 14,1 milhões não sabem ler nem escrever, 10% da população. Em 2007 apenas 2.9% dos jovens analfabetos entre 15 e 24 anos freqüentavam algum curso de alfabetização. Entre os adultos, acima de 24 anos, apenas 1.8%. De cada 100 pessoas que saem dos programas de alfabetização apenas seis ingressam nos programas de Educação de Jovens e Adultos. Isto é grave porque os cursos que correspondem à primeira metade do Ensino Fundamental são aqueles responsáveis por sedimentar o aprendizado em programas de alfabetização. Afinal, os 6 a 8 meses dos cursos de alfabetização são apenas um primeiro passo neste processo que deveria ter continuidade até o término do Ensino Médio.


Desta maneira vão se produzindo os “analfabetos funcionais”, aqueles que passaram pela escola e não têm o domínio suficiente da leitura e da escrita para utilizar no seu cotidiano, no seu trabalho, na sua vida em geral. Podemos medir este indicador, por exemplo, com aqueles, com quinze anos ou mais, que só estudaram até 3 anos de estudos. E são muitos, 15,5 milhões de pessoas. Se somarmos aos 14 milhões que não sabem ler nem escrever, chegamos a cerca de 30 milhões da população brasileira, quase 22% dos jovens e adultos que são incapazes de utilizar a leitura e a escrita.


A pesquisa do IBGE mergulha neste universo e trás dados que nos ajudam a compreender este fenômeno e apontar soluções. Em primeiro lugar mostra o baixíssimo número de pessoas estudando em EJA. Do total da população em 2007 com quinze anos ou mais, apenas 2.0 %, 2.9 milhões de pessoas. A maioria são mulheres (54%), de baixa renda, na faixa etária entre os 18 e 39 anos de idade, demonstrando claramente que a EJA não tem sido uma válvula de escape para os adolescentes da escola regular, mito bastante difundido.


Outra informação importante é que os alunos estão freqüentando ou freqüentaram principalmente o segundo seguimento do ensino fundamental ou o ensino médio, e uma minoria a primeira metade do ensino fundamental, demonstrando que tem mais facilidade de acessar a EJA as pessoas que querem complementar seus estudos do que aqueles que buscam consolidar sua capacidade de ler, escrever e contar.


Sobre a motivação em freqüentar os estudos, 70% responderam que era para voltar a estudar ou para adiantar os estudos (fazê-lo de forma mais rápida). Apenas 19% dos entrevistados responderam que a motivação para estudar era para conseguir melhores oportunidades de trabalho. Estas respostas apontam para um interesse maior dos alunos para sua formação geral do que um olhar instrumental para a escola como acesso para melhores empregos.

Dentre os motivos para a não conclusão do curso de EJA, os principais foram: o horário das aulas não era compatível com o horário de trabalho ou de procurar trabalho (27,9%); ou com o horário dos afazeres domésticos (13,6%); não havia curso próximo à residência (5,5%); não havia curso próximo ao local de trabalho (1,1%); não teve interesse em fazer o curso (15,6%); tinha dificuldade de acompanhar o curso (13,6%). Apenas (0,7%) disse não ter conseguido vaga. Estes dados demonstram que uma das dificuldades principais para o aluno freqüentar a EJA é a inadequação ou inexistência dos cursos ou horários compatíveis com a vida desta população jovem e adulta. É por isso que dos poucos que foram atendidos até 2007, 42,7% largaram os estudos.


As informações sobre a inexistência, insuficiência ou inadequação na oferta de cursos, unida ao fato de que apenas uma parcela mínima dos que freqüentam cursos de alfabetização tem continuidade nos programas de EJA, e ainda o fato de apenas 24% das escolas públicas oferecem EJA, nos apontam para os principais problemas no atendimento desta parcela da população.


A grande realidade é que o governo federal ainda não encontrou seu papel neste tema. Apenas para falar da história recente, transitamos da omissão do governo FHC, que transferiu recursos públicos destinado à alfabetização para a ONG Alfabetização Solidária, criada e dirigida pela primeira-dama Ruth Cardoso, para o programa Brasil Alfabetizado do governo Lula, que apesar de trazer para a responsabilidade desta oferta para o poder público, ainda não conseguiu chegar com qualidade aos que demandam estes serviços, nem conseguiu garantir a continuidade dos alfabetizados em programas de EJA. A grande maioria dos governos estaduais e municipais tem mostrado pouco empenho no atendimento de jovens e adultos, não identificando, como exige a legislação, aqueles que necessitam se escolarizar, e muito menos oferecendo vagas de forma adequada para facilitar a participação dos alunos.


A sociedade civil, por sua vez, ao sair da clandestinidade que marcou sua atuação na alfabetização de adultos na década de 1970, também não conseguiu um lugar nesta seara, algumas vezes desempenha papel de executora terceirizada, outras vezes, quando não consegue apoio suficiente para um trabalho conseqüente, acaba por realizar uma alfabetização superficial e sem continuidade nos sistemas de ensino.


Apenas para recordar, o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2000, estabeleceu erradicar o analfabetismo até 2010, além de assegurar para 2005 a oferta de educação de jovens e adultos equivalente às quatro séries iniciais do ensino fundamental para 50% da população de 15 anos e mais, e até 2010 a oferta de cursos equivalentes às quatro séries finais do ensino fundamental para toda a população de 15 anos e mais que concluiu as quatro séries iniciais.

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